O Supremo Tribunal Federal julgará a ADIn 5090, que discute a constitucionalidade da aplicação do índice TR, para fins de correção monetária, aos depósitos de FGTS dos trabalhadores brasileiros.
Em apertada síntese, a discussão diz respeito à constitucionalidade do artigo 13, da lei 8.036/90, e do artigo 17, da lei 8.177/91, os quais determinam que a TR deve ser o índice de correção a ser aplicado a todos os depósitos de FGTS.
Sob o argumento de que a atualização monetária por índices incapazes de capturar o fenômeno inflacionário fere frontalmente o direito à propriedade, previsto no artigo 5º, XXII da Constituição Federal, busca-se a determinação de correção monetária dos depósitos nas contas vinculadas do FGTS pelo IPCA-E, INPC, ou outro índice que efetivamente reflita a inflação atual.
Neste último mês, várias dúvidas foram suscitadas a respeito do assunto, sendo pertinente a realização de algumas ponderações.
1) Aguardar o julgamento da ADIn 5.090 x Ajuizar a ação antes do julgamento da ADIn
Sob o argumento de que todos os processos judiciais que discutem a matéria encontram-se suspensos, por força de uma decisão proferida em 2019 pelo Ministro Luís Roberto Barroso nos autos da ADIn 5.090, há uma corrente que entende que ajuizar a ação antes do aludido julgamento seria medida desnecessária.
Adicionalmente, esta estratégia de aguardar o julgamento serviria para se certificar de que o Supremo Tribunal Federal decidirá pela inconstitucionalidade da TR, evitando risco de eventual sucumbência na hipótese de prolação de decisão desfavorável aos trabalhadores.
No entanto, existe um fundado receio de que o Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que restou decidido no julgamento conjunto da ADC 58, ADC 59, ADIn 5.867 e ADIn 6.021 – que julgou a inconstitucionalidade da aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção monetária de débitos trabalhistas e de depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho – estabeleça marcos jurídicos e não aplique a mudança de entendimento para “novas demandas”, isto é, ajuizadas após o julgamento da Suprema Corte.
Observa-se que, nos julgados acima, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da decisão e determinou a aplicação do novo entendimento apenas aos processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença.
Assim, considerando que o referido julgamento ocorreu em dezembro de 2020 – e, desde então, não houve alteração substancial da composição do Supremo Tribunal Federal – é possível que a Corte mantenha o mesmo entendimento.
Nesse passo, os trabalhadores que aguardarem o julgamento do Supremo Tribunal Federal para somente então ajuizarem sua ação, correm o risco de restar impossibilitados de pleitear judicialmente os valores passados, em decorrência de uma possível modulação dos efeitos do julgamento.
2) Ponderação de eventuais riscos de condenação em honorários sucumbenciais
Superada a questão a respeito do momento de ajuizar a ação, há ainda a preocupação válida com relação a eventual risco de não se ter sucesso no pleito e ter que arcar com o ônus dos honorários de sucumbência.
Para aqueles que tiverem direito a valores não superiores a 60 (sessenta) salários-mínimos, a melhor opção é ajuizar a ação perante o Juizado Especial Federal, que possui tramitação mais célere e onde não há o pagamento de custas e condenação em honorários sucumbenciais, salvo na hipótese de recurso (e o recorrente for integralmente vencido)¹.
Há, no entanto, a possibilidade de o juiz entender que o processo deva tramitar na Justiça Comum, por demandar a realização de perícia técnica contábil para identificar os valores a que o trabalhador tem direito. Esta hipótese é remota, porém os Autores devem estar cientes de que haveria um risco, ainda que pequeno, de sucumbência nesta situação.
Em relação aos trabalhadores que tiverem direito a somas mais vultosas, há ainda a opção de ajuizar a ação no âmbito do Juizado Especial Federal e expressamente renunciar o montante que ultrapassar o teto de sessenta salários mínimos.
Quanto ao ajuizamento na Justiça Comum, tem-se o risco da sucumbência caso ocorra uma de duas situações: (i) o Supremo Tribunal Federal julgar improcedente a ADIn 5.090 e, com isso, reconhecer a constitucionalidade da aplicação da TR, o que inviabilizaria a tese ora discutida; ou (ii) no decorrer da ação, restar decidido que a prescrição para pleitear a reposição de índices de correção monetária do FGTS seria de cinco anos ao invés de trinta anos, podendo acarretar em uma sucumbência total ou parcial.
A situação (i), embora exista, não é o cenário mais provável. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou em oportunidades anteriores a respeito da inconstitucionalidade da TR (correção de precatórios, débitos trabalhistas e débitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho). Evidentemente o risco de uma decisão desfavorável existe. É preciso ter em mente que o rombo financeiro que uma decisão favorável aos trabalhadores poderia acarretar é imenso, motivo pelo qual é possível que seja determinada a modulação dos efeitos da decisão, a exemplo do que ocorreu no recente julgamento conjunto das ADIn’s 5.867 e 6.021. A modulação, caso seja aplicada, restringiria substancialmente o número de trabalhadores que poderiam pleitear valores retroativos, diminuindo o prejuízo financeiro decorrente da decisão.
Nesse ponto, há de se ressaltar que a declaração de inconstitucionalidade da TR (sem qualquer modulação) poderia alcançar 60 milhões de trabalhadores brasileiros vinculados ao FGTS, com o potencial de gerar um prejuízo de R$ 538 bilhões de reais aos cofres públicos. Como há em curso cerca de 500 mil ações discutindo a matéria, a modulação dos efeitos do julgamento faria com que somente estes trabalhadores tivessem direito à revisão dos valores do passado. Portanto, caso a modulação seja aplicada, haverá uma redução substancial do prejuízo ao erário².
Já a situação (ii) merece maior atenção, pois o prazo prescricional para pleitear a reposição de índices de correção monetária do FGTS tem sido objeto de debates.
Para uma primeira corrente de pensamento, o prazo a ser aplicado é o trintenário. Em linhas gerais, esse entendimento é baseado no verbete sumular 210/STJ, que dispõe que “a ação de cobrança de contribuições par ao FGTS prescreve em trinta anos“, bem como na decisão proferida no RESP 1.112.520, julgado sob o regime de recurso repetitivo, determinando que é trintenária a prescrição para cobrança de correção monetária de contas vinculadas ao FGTS no caso de expurgos inflacionários referentes aos índices de junho/87, janeiro/89, abril/90, maio/90, julho/90 e fevereiro/91.
Para uma segunda linha de pensamento, o prazo a ser aplicado é o quinquenal. Em resumo, este entendimento é amparado na interpretação dos acórdãos proferidos no RE 522.897-RN e ARE 709.212, julgados em regime de Repercussão Geral, onde ficou decidido que o prazo para cobrança de valores não pagos a título de FGTS é de cinco anos.
Em que pese o debate existente, constata-se que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, adotado no RESP 1.112.520, guarda maior semelhança com o caso em tela, pois, tal como na hipótese vertente, discute-se a correção monetária de contas vinculadas ao FGTS.
É importante observar que as decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no RE 522.897-RN e ARE 709.212, analisaram a constitucionalidade do prazo prescricional aplicável à cobrança judicial dos valores devidos, pelos empregadores e pelos tomadores de serviço, ao FGTS.
Percebe-se, portanto, que os referidos julgados não trataram, especificamente, dos consectários legais do FGTS.
Assim, poder-se-ia argumentar que as razões de decidir dos RE 522.897-RN e ARE 709.212 não devem ser aplicadas ao caso em análise, seja porque (i) a questão envolvendo a prescrição do índice aplicável à correção monetária não foi abordada expressamente nestes julgados; e (ii) trata-se de relação jurídica distinta, envolvendo sujeitos distintos, pois naquele julgado tinha-se, como partes, o empregador e o empregado, e na matéria ora discutida, tem-se o trabalhador e a instituição financeira operadora do FGTS.
No entanto, apesar de não ser objeto da ADIn 5090, existe ainda a possibilidade de o assunto ser enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal naquele feito ou em oportunidade futura. É importante destacar que, caso a Suprema Corte reconheça a inconstitucionalidade do prazo prescricional trintenário, caberia ainda a discussão a respeito da modulação de efeitos ao novo entendimento, tal como ocorreu no julgamento da RE 522.897-RN e da ARE 709.212 STF.
Por todo o exposto, não é possível antever qual será o entendimento adotado pelos Tribunais no que diz respeito ao prazo prescricional.
Como um todo, percebe-se que a tese da inconstitucionalidade da TR é juridicamente sustentável. No entanto, há riscos envolvidos, e a decisão por ajuizar a ação, quando fazê-la e para qual juízo endereçar a ação (Justiça Comum ou Juizado Especial Federal) fica inteiramente a critério do trabalhador.
Fonte: Migalhas, escrito por: Caroline Floriani Bruhn de Lima.